A
história do Raptor 50 é curiosa e, sem dúvida, pitoresca.
Numa
bela manhã de domingo de 2014, quando voava sobre a Lagoa da Beira, na
inesquecível Imperatriz, o motor do helicóptero fez um barulho estranho,
apagando logo em seguida.
Imagem do Raptor antes do voo de reestreia, 28 de dezembro de 2019, na Amam |
Resultado, o Raptor desceu velozmente em direção ao
espelho d’água, aterrissando no arenoso fundo da lagoa, a uns 12 metros de
profundidade, tudo sob o olhar perplexo dos colegas e de muitos, inclusive de
pessoas que acostumavam a acompanhar os rotineiros encontros que fazíamos
sempre nas manhãs de domingo, na Lagoa da Beira Rio, onde desfilavam nossas
lanchas, aeromodelos anfíbios, drones, helicópteros, etc. Velhos e bons tempos!
Raptor 50 segundos antes de descer as profundezas da Lagoa da Beira-Rio, Imperatriz-MA |
A
uma dessas pessoas, condoída com o meu desespero, solicitei que acionasse
alguém do Corpo de Bombeiros, para tentar retirar o helicóptero, jaz
imerso. Foi o bastante para se espalhar
na cidade “que um helicóptero havia
caído na Lagoa da Beira Rio, e os Bombeiros estavam tentando encontrar
sobreviventes”.
A
notícia, meia-verdade, atraiu um número significativo de curiosos para local,
porque imaginavam mesmo se tratar de um equipamento tripulável, já que outros
acidentes aéreos já haviam sido registrados no caudaloso Rio Tocantins.
Quase
três horas intensas de mergulho, e quando já parceria inglória a tentativa de
regaste, eis que emerge das profundezas da Lagoa, como um troféu exibido numa
clássica olimpíada aquática, o Raptor 50, gélido e inundado, literalmente.
Erguido como um troféu depois de passar quase 3 horas no fundo da lagoa |
Imagens
da época, feitas com exclusividade pelo amigo e fotojornalista profissional,
Paulo Duarte, que, coincidentemente, naquele dia, testava novo equipamento
estadunidense, registraram tudo, do espetacular mergulho à ressurreição!
Em
solo, inspecionado, contatou-se que servos, bec, receptor, ignição e bateria tinham
sido todos danificados. De resto o eixo central estava empenado, a correia de
transmissão dilatada e a engrenagem principal com alguns dentes extraídos. O
motor apresentava um furo no cabeçote e a pá principal tinha fraturas. O ícone
daquela triste manhã de voo restava abatido enquanto na carteira, menos 500,00,
pagos à vista ao mergulhador.
Desgostoso,
passei o Raptor 50 para um grande amigo, amante também do helimodelismo,
popularmente chamado Titico. Naquele instante o Raptor 50 era uma página
virada. Pra mim, seu destino estava selado. E o tempo passou...
Anos
depois, em 2018, quando já morava na Grande Ilha, soube que um piloto da
Reserva do Itapiracó estava vendendo uma sucata de um Raptor 50 pela bagatela
de R$ 150,00. Só frame e um velho canopy
tradicional -- usado nos primeiros modelos da categoria Thunder Tiger--, além
de um inconfesso nobre propósito, acompanhavam a velharia tão maltratada.
Liguei
imediatamente para o Titico e perguntei se ele ainda tinha o Raptor 50, o
mergulhão da Lagoa da Beira-Rio, e se estava disposto a me vender. Expliquei que era algo muito especial.
“Tenho, sim, mas não vendo. Pra você, é de graça.”
Assim,
voluntariosamente, o Raptor 50 retornava as minhas mãos, empoeirado e enrolado
em folhas de jornal. Com tranquilidade e paciência iniciei sua recuperação,
usando algumas peças retiradas da sucata que estavam boas as quais se juntaram
as peças que ainda estavam intactas no velho abandonado Raptor 50.
Começa o desafio da recuperação.
Parte da sucata |
Nesse
ínterim, surgira um obstáculo. A embreagem original, assim como a maioria das
peças do Raptor, não encontrei mais no mercado. Pensei em desistir e transformá-lo
numa mera figura decorativa entre a minha singela coleção de helicópteros. Foi
então que, sabendo da boa fama, recorri ao hoje amigo Mário Celso, o fazendo
por indicação de Ivan. Levei o problema e Celso, mesmo não me conhecendo,
prontamente assumiu o desafio de fazer alterações no sistema de sino e
embreagem do paciente, o Raptor 50, utilizando peças do Trex 600.
Foram
semanas de espera, e quando menos aguardava, Celso me ligou e disse que o
trabalho tava concluído. Cauteloso, fez as recomendações de praxe. Em casa
observei que a adaptação havia ficado impecável, digna de aplauso.
Pronto,
a última fronteira para que o Raptor 50 deixasse o limbo estava superada. Os
primeiros testes começaram ainda em julho deste ano, mas somente nos ensaios
decisivos dos dias 25 e 28 de dezembro de 2019 revelavam que o aparelho estava,
finalmente, apto para o grande dia da reestreia, pouco importando as condições
climáticas, sabidamente adversas nesta época do ano no litoral maranhense.
Antes,
porém, fiz um polimento no seu charmoso incomparável canopy. Ajustado e ainda
sob os auspícios do antigo sistema Flybar,
o Raptor 50 roncou o motor como nos tempos do seu apogeu, para logo romper,
imponente, os céus da gloriosa Amam assim como o Condor que se atira bravamente
do penhasco depois de anos de recuperação motivado pela sina de dominar os céus.
O Raptor 50 superou não apenas a forte ventania que marcava a tarde de 28 de
dezembro de 2019 no aeródromo de Paço do Lumiar, mas, sobretudo, um incompreensível
paradoxo, o de ser resgatado das águas para renegado tão estupidamente ao
esquecimento.
Indisfarçável
a minha alegria com o sucesso do Raptor 50, depois de haver consumido três tanques
de combustível.
De volta ao batente, na tarde de 28 de dezembro de 2019, Amam, Grande Ilha São Luis -MA |
Novamente juntos e inseparáveis: homem e máquina |
Enquanto
o pilotava, na mente as lembranças de tê-lo voado, pela primeira vez, na
paradisíaca pista Asas de Sumauma, remontando a uma época em que se praticava o
hobby com grande entusiasmo e desprendimento. Havia, também, durante a
pilotagem, realizado um sonho: o sonho de vê o Raptor 50 voando com a mesma
imponência dos tempos idos. Mas o voo do Raptor 50, na memorável tarde de 28 de
dezembro de 2019, serviu também para deletar o sentimento de remorso que
espreitava meu coração pelo castigo que se lhe impunha sem merecer. Parecia um
reencontro de dois grandes amigos que o destino separou e que o próprio destino
tratou de juntar.
Hoje,
nesta bucólica cinzenta manhã de segunda-feira, 30 de dezembro de 2019, quando
os céus lacrimejavam na Terra Santa São José de Ribamar, na Grande Ilha, fui
despertado pelas fotografias daquele fatídico domingo de 2014, exibidas pelo
amigo Valentin Xavier, no seleto grupo de dirigentes de clubes de aeromodelismo
do Brasil, motivando-me, então, compartilhar essa linda e sui generis história de amor, a despeito da indelével mensagem que
retrata a sensibilidade humana ditada pelo pensador, ator e cineasta de todos
os tempos Charles Chaplin: “Não sois
máquina! Homens é que sois!...”
Fotografias: Paulo Duarte
Texto: Daniel Souza
Amigo,lembranças agradáveis nos fazem reviver momentos imemoráveis que a vida nos presenteia. Sentimentos de saudades é sinônimo de gratidão! O agradecimento da máquina é saber que está sendo comandada por alguém que pode chamar de AMIGO! Por certo no silêncio das profundezas do lago ela sorria pois tinha a alegria de não ser abandonada. Hoje ela vence as intempéries dos céus da AMAM e seu motor altivo alardeia: OBRIGADO AMIGÃO! Parabéns de seu discípulo admirador, abraço
ResponderExcluirDaniel, o tempo nos dá essas excelentes experiências de vida. Posso imaginar quanta felicidade em voar sua máquina novamente. Não apenas que simples fato de voar pois isso hoje é simples de resolver mas por toda a história aqui narrada por você. Incrível como nós nos apegamos a essas fantásticas máquina voadora. Eu as vezes me pego pensando nos meus bons tempos de hobby em toda a minha dificuldade é aprendizado mas me considero um vencedor por toda a dificuldade que passei acho que aprendi a dominar um pouco essa fantástica máquina que é um heli 3D. Sua história me fez lembrar a minha dos meus bons tempos de hobby ao qual ainda tenho muita saudade. Não sei se um dia volto a voar. Só Deus quem sabe. Hoje como cê sabe eu voando Drone mas o coração bate forte quando vejo heli 3D em vôo. Grande abraço e fica com Deus. Excelente voos em 2020.
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